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A propósito da exploração dos mármores - Texto do Professor Galopim de Carvalho - Notícia OVGA 26-11-2018

 

(no Alentejo)

 

A trágica derrocada na pedreira de Borba trouxe à boca dos portugueses a palavra “mármore”. Será que os nossos decisores políticos, os nossos jornalistas e comentadores de serviço e o cidadão comum sabem o que é o mármore?

Aproveitemos então a triste oportunidade para falar desta rocha ou desta pedra, como preferirem.

Muito antes de existir a ciência que dá pelo nome de Geologia e muito antes dos geólogos compreenderem e descreverem o metamorfismo, a palavra latina “marmor” já figurava entre os romanos

Ao tempo [obra denominada] de Agricola, o médico alemão, de nome Georgius Bauer (1495-1555), que reviu as classificações do romano Plínio, o Velho, (23-79), do persa Avicena (980-1037) e do dominicano alemão Alberto Magno (1193.1280), mármore, era toda a pedra susceptível de ser usada em cantaria. Eram “mármores” o calcário, o alabastro, o basalto (“mármore negro”, como lhe chamou Plínio), o arenito fino do “Buntsandstein” (ou Triásico germânico) e o mármore propriamente dito (o da pedreira de Borba, agora tão falada).

Mesmo hoje, entre nós e em termos comerciais, no sector das pedras ornamentais, ainda se classificam como mármores as rochas que permitem o corte e o polimento

Para falarmos de mármore temos, primeiro, de falar de calcário. Isto porque, na generalidade e em traços muito gerais, o mármore não é mais do que calcário transformado (metamorfizado) por efeito de aquecimento e compressão sofridos no interior de uma cadeia de montanhas em formação.

Para o geólogo, mármore é uma rocha resultante do metamorfismo de um calcário. Para o construtor civil é uma das muitas rochas ornamentais existentes no mercado.

- E o que é e como se forma o calcário? – Pergunta quem não sabe…

A imensa maioria dos calcários, como os que temos aqui no Cretácico de Lisboa e Pero Pinheiro (o conhecido lioz), e no Jurássico das Serras d’Aire e Candeeiros, Arrábida e do Barrocal algarvio, é gerado em mares muito pouco profundos das latitudes intertropicais, de águas límpidas e mornas, como por exemplo os das Caraíbas do Golfo Pérsico e da Grande Barreira de Coral, no nordeste australiano (Queensland). Estes mares são propícios à formação de corais e de uma grande variedade de invertebrados (bivalves, gastrópodes, ouriços e estrelas do mar, crustáceos, briozoários, foraminíferos e outros) construtores de esqueletos de natureza calcária, e se certas algas, ditas coralígenas, igualmente construtoras de esqueletos de natureza calcária.

Na grande maioria dos casos, é a acumulação dos restos esqueléticos (inteiros, fragmentados e/ou pulverizados) destes organismos, todos eles formados por carbonato de cálcio (aragonite e/ou calcite) que, depois de intensamente compactados e consolidados, dá origem ao calcário.

Foi assim no passado e é o que está a acontecer nos dias de hoje nos citados mares quentes da Terra?

Um parêntesis para dizer que aragonite e calcite são duas formas (ou dois minerais) diferente de carbonato de cálcio, sendo que a segunda é mais estável, razão pela qual, com o passar do tempo, a aragonite se transforma em calcite, o mineral essencial do calcário, dito calcítico, e do mármore que, igualmente, podemos dizer calcítico. Isto porque também há mármores dolomíticos.

Para falarmos do mármore alentejano (grande riqueza nacional no sector da Indústria extractiva), temos de recuar a um oceano antigo, que aqui existiu há mais de três centenas de milhões de anos, e admitir que houve, neste local do território, mas a uma latitude mais baixa (como a dos actuais mares tropicais), um mar litoral propício à proliferação de organismos, bem diferentes dos actuais, mas todos eles construtores de esqueletos de natureza calcária.

Foi durante a formação da grande cadeia de montanhas (orogenia varisca ou hercínica de há 380 a 280 milhões de anos, no final da era paleozóica) que, entre outras rochas, deu origem aos xistos, grauvaques, quartzitos e granitos que formam a ossatura da Península Ibérica, que nasceu este mármore, por transformação do dito calcário.

Numa descrição mais pormenorizada podemos dizer que o mármore calcítico, como o que temos em Estremoz-Borba-Vila Viçosa, os de Viana do Alentejo ou os de Trigaches tem estrutura granoblástica, isto é, apresenta grãos minerais (calcite) aproximadamente todos do mesmo tamanho (equidimensionais) e sem orientação.

Menos importantes, mas contemporâneos e tendo sofrido as mesmas vicissitudes, temos, ainda, no Alentejo, os mármores de Sousel, Elvas, Escoural, Alvito e Ficalho. Merece, ainda, referência o mármore branco de Vimioso (esgotado), em Santo Adrião, no Nordeste transmontano.

Menos comum, o mármore dolomítico resultou do metamorfismo de dolomitos (rochas sedimentares essencialmente formadas pelo mineral dolomite, o carbonato de cálcio e magnésio). Como mármore dolomítico merce destaque a chamada “pedra cascável”, subjacente aos mármores calcíticos de Estremoz-Borba-Vila Viçosa.

Com nomes consagrados na indústria e no comércio nacionais destacam-se os mármores:

- na região de Vila Viçosa: Branco Estatuária, Branco Anilado, Creme Lagoa, Rosa Aurora e Rosa Venado.

- na região de Estremoz: Branco Corrente, Branco Rosado e Creme Venado.

- na região de Borba: Ruivina Escuro, Creme do Mouro, Rosa de Rosal e Rosa Venado:

- na região de Escoural: Verde Escoural.

- na região de Viana do Alentejo: Verde Viana.

-º na região de Trigaches (Beja): Cinzento Anegrado, Cinzento Claro

- na região de Serpa: Verde Ficalho

Notas:

Diz-se marmoreado ou marmóreo, o que lembra o mármore, na cor, no frio, na sensibilidade.

Marmorite é um produto fabricado, destinado a pavimentos e revestimento de paredes. Consiste, geralmente, numa mistura de fragmentos de rochas diversas (mármore, calcário e outras) aglutinados por um cimento. Uma vez seco, é serrado, polido e usado em pavimentos, à semelhança das rochas ornamentais.

A tragédia na pedreira de Borba, que muitos anteviram, mas que ninguém acautelou, não deve nem pode ser usada como arma no debate político. Fazê-lo não é sério. Não é sério nem aceitável porque a verdadeira culpa só pode ser imputável a todos os que, ao longo do tempo, tiveram ali e no governo central responsabilidades como decisores.

Podemos ainda dizer convictamente que parte dessa culpa e de muitas outras está no nosso grande e triste atraso civilizacional, todos os dias demonstrado, onde o compadrio, a corrupção, a iliteracia generalizada da população, o baixíssimo nível do sistema educativo, a impreparação da maioria dos políticos e a inoperância do sistema judicial são a regra.

Como escreveu ontem, Pacheco Pereira, no Público “Está toda a gente indignada com o “falhanço do Estado” no caso da estrada que ruiu matando pelo menos cinco pessoas. E devem estar não tanto pelo “falhanço do Estado”, porque, para além de ser um falhanço, o falhanço é a regra. A excepção é as coisas funcionarem bem – ou seja, dito à bruta e sem rodriguinhos, Portugal é um dos países mais atrasados da Europa”.

Na realidade, somos um povo que, “com excepção dos seus imediatos interesses, não quer saber muito disto é até colabora participando na pequena corrupção, na fuga aos impostos, nos pequenos truques quotidianos com o ambiente, a qualidade dos alimentos, as obras na casa, etc., etc. Só se preocupa com a pátria pelo futebol e de resto manifesta uma indiferença cívica total. (Pacheco Pereira).

Em repetição do que já aqui escrevi, a propósito da crise dos professores, a nossa classe política, no seu todo, a quem os Militares de Abril, há 44 anos, generosa, honradamente e de “mão beijada” entregaram os nossos destinos, mais interessada nas lutas pelo poder, esqueceu-se completamente de facultar aos cidadãos cultura civilizacional. Entre os sectores da vida nacional que nada beneficiaram com esta abertura à democracia está a educação e a justiça.

Mais de quatro décadas, de liberdade em democracia, completamente desperdiçadas.

Este triste acontecimento leva-me a trazer ao presente uma reflexão que conheci estar na mente de um dos meus antecessores e mestres, o professor Carlos Romariz Monteiro, reflexão que subscrevo e que tem a ver com a absoluta necessidade de incluir um geólogo ao serviço das Câmaras Municipais.

Se, por lei, os nossos municípios fossem obrigados a ter, pelo menos, um geólogo nos seus quadros de pessoal, arranjava-se emprego a mais de trezentos profissionais. Profissionais que procuram no estrangeiro um lugar onde possam desenvolver uma actividade científica e/ou económica de grande qualidade, pois, de grande qualidade é a sua preparação.

Acontece, porém, que a cultura geológica da imensa maioria dos nossos políticos, dos Presidentes da República aos das Juntas de Freguesia mais esquecidas, passando por Primeiros Ministros, Ministros, Deputados e Presidentes de Câmaras, é praticamente nula, ou seja, permita-se-me o exagero, zero!

Restringindo-me agora especificamente, à generalidade dos nossos autarcas municipais, quase todos homens e mulheres acomodados aos aparelhos partidários, sabemos que não dispensam, e bem, o trabalho de juristas e economistas. Muitos têm, e bem, arquitectos e arquitectos paisagistas, ao serviço da autarquia, pois são eles que sabem de urbanismo e dos sempre necessários jardins e outros espaços verdes. Vão conhecendo, e bem, o valor da Arqueologia, porque os respectivos profissionais souberam afirmar-se como detentores de um importante saber que rende. Mas desconhecem, e mal, a importância da geologia, mostrando uma desoladora insensibilidade para os problemas ligados a esta disciplina científica.

Planos Municipais de Ordenamento do Território, em toda a diversidade dos conhecimentos que exigem, sismicidade e risco sísmico local e regional, vulcanismo e suas manifestações secundárias (nos Açores), construção civil, sempre problemática em vertentes instáveis e em leitos de cheia, rodovias municipais, pontes e pequenas barragens, captação de águas subterrâneas, aterros sanitários e lixeiras, pedreiras, minas, escombreiras associadas e contaminação de solos e de aquíferos são alguns dos problemas que só a geologia sabe resolver com competência fiável.

Como remate desta reflexão, repito o que, há décadas, ando a dizer: «o nosso sistema educativo nunca deu e continua a não dar a devida importância ao ensino da Geologia». Rapazes e raparigas marcados pela consequente impreparação, são hoje homens e mulheres desconhecedores das suas reais importância e beleza.

 

António Galopim de Carvalho

Lisboa, 25 de Novembro de 2018

 

Mapa militar de Borba

Créditos: www.igeoe.pt

 

Nota:

O OVGA agradece ao seu querido e sempre relembrado Mestre a amabilidade da remessa desta opinião, útil para todos e uma das funções do Observatório.