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O horizonte à distância de (um) Pitágoras - Notícia OVGA B 02-11-2017

Quando era criança detestava a minha altura. O meu código genético determinou (sem me consultar) que fosse a mais alta das cinco raparigas lá de casa e nas turmas a que pertenci. Com o passar dos anos, eis que o meu aparente infortúnio se transformou em triunfo: passei a gostar dos meus 1,75 metros de altura! É caso para dizer, “mudam-se os tempos, mudam-se as alturas”. Caro leitor, não vou evocar Camões, nem tão pouco falar mais da minha altura. Vou levá-lo numa viagem matemática até ao horizonte e tentar explicar como podemos calcular a distância percorrida até lá. Preparados? Cintos apertados? Então comecemos com alguns conceitos fundamentais à nossa odisseia. Em tempos que já lá vão, aprendemos que o horizonte é aquela linha lá longe até onde os nossos olhos conseguem alcançar; ou o lugar onde parece que o céu e a Terra se unem. Em termos mais rigorosos, o horizonte é definido como a linha aparente ao longo da qual, em lugares abertos e planos, observamos que o céu parece tocar a terra ou o mar. Todos, independentemente da idade, temos a sensação que o horizonte fica muito, muito longe. No infinito! Mas será que fica mesmo assim tão longe? E será que esta distância ao horizonte, vista por mim e pelo leitor, é a mesma? Ou melhor, será que cada pessoa tem, literalmente, o seu horizonte? Irá este depender de algum fator específico de quem o vê? Terá sido ou será essa distância tão importante para a humanidade? Historicamente, a distância ao horizonte fez com que a imaginação de alguns homens visse ali o fim de mundo; noutros aguçou a curiosidade e o engenho para descobrir o que estaria para além daquela linha, que, no caso Português, nos catapultou para novos mundos. No tempo dos descobrimentos, aquando da expansão do sonho motivada pela necessidade, os portugueses deram-se bem nas suas epopeias e foram, como cantaram os Da Vinci em 1989, “ao Brasil, Praia e Bissau, Angola, Moçambique, Goa, Macau e Timor.” A valentia destemida do povo lusitano permitiu “dias e dias, e meses e anos no mar, percorrendo uma estrada de estrelas a conquistar”. Por mais que nos custe acreditar, o horizonte está a uma distância finita e está muito mais próximo do que imaginamos. E se eu lhe disser que, estando ao nível do mar, se houvesse uma autoestrada até à linha a que se estende o nosso olhar, um carro a 100 Km/h chegaria lá em apenas três minutos! Não acredita? Façamos as contas. Vamos então meter mãos à obra e venha daí este horizonte. Para facilitar os cálculos vamos assumir, sem grande problema, que o nosso planeta é uma esfera perfeita (sem montes nem vales) e que o seu raio é de 6371 km. Não é assim tão absurdo, se pensarmos que entre o ponto mais profundo e o ponto mais alto da superfície terrestre há cerca de 20 km, que corresponde a uns míseros 0.31% do raio da Terra. Em concreto, a fossa das Marianas, situada no Oceano Pacífico a leste das ilhas Marianas, é o ponto mais profundo da superfície terrestre que é conhecido e fica 11034 metros abaixo da superfície do mar; no outro extremo, o ponto mais alto da terra é o monte Evereste que se eleva a 8848 metros de altitude, situado na cordilheira dos Himalaias, no Nepal. Foi batizado em 1865 em honra de Georg Everest (1790–1866), um Engenheiro Cartógrafo Geral da Índia entre 1830 e 1843. Assim, vamos assumir que a distância que vai dos nossos pés até ao centro da Terra é de 6371 km independentemente de onde nos encontremos. Outro aspeto que vamos simplificar é que em vez de pensarmos na Terra como um objeto tridimensional (uma esfera), vamos trabalhar num espaço bidimensional e desenhar a Terra como habitualmente fazem as crianças: uma circunferência (ver figura 1). Se olharmos o mais longe que conseguirmos ao longo da superfície da Terra para um determinado ponto (que está na linha do horizonte) e se traçarmos uma linha reta que passa pelos nossos olhos e por este ponto, esta só toca na superfície da Terra uma vez, exatamente neste ponto que estamos a olhar. As retas que tocam uma só vez numa superfície têm o nome de tangentes. A uma porção limitada de uma reta dá-se o nome de segmento de reta. O que pretendemos medir é o comprimento do segmento de reta que é delimitado pelos nossos olhos e pelo ponto que olhamos fixamente no horizonte, o tal ponto de tangência. Há dois factos interessantes sobre circunferências e retas tangentes que podem não saltar de imediato à nossa perceção. Primeiro, a noção de reta (uma linha sem qualquer curva) e de tangência são mais fortes do que imaginamos e ditam que se escolhermos um ponto da circunferência só passa por este ponto uma única reta tangente. Qualquer outra reta (que tem necessariamente de ter uma inclinação diferente da reta tangente) irá tocar a circunferência em exatamente dois pontos. Estas outras retas têm o nome de secantes à circunferência. O segundo facto, que é mais fácil de entender depois de se perceber o primeiro, é que o raio que passa no ponto de tangência faz um ângulo de 90 graus (um ângulo reto) com a reta tangente. Estes dois factos são fundamentais para fazermos o nosso cálculo. Examinemos em detalhe a figura 1. Os olhos do observador são indicados pelo ponto O; o centro da circunferência (que representa o centro da Terra) pelo ponto C; e o ponto de tangência por T. Nesta figura, observamos um triângulo (polígono de três lados) cujos vértices são os pontos O, C e T. Atendendo a que esse triângulo é retângulo (um dos seus ângulos internos mede 90º) podemos aplicar o notável teorema de Pitágoras, filósofo e matemático grego (c. 570–495 a.C.). Esse teorema exprime uma relação matemática entre os comprimentos dos lados de qualquer triângulo retângulo. Na geometria euclidiana, o teorema afirma que “Em qualquer triângulo retângulo, o quadrado do comprimento da hipotenusa é igual à soma dos quadrados dos comprimentos dos catetos.” Talvez tenhamos aprendido ou decorado esta relação com a seguinte quadra:

 

A caminho de Siracusa;

Pitágoras disse aos seus netos;

o quadrado da hipotenusa;

é igual à soma dos quadrados dos catetos.

 

Por definição, a hipotenusa é o lado oposto ao ângulo de 90º e os catetos são os restantes dois lados do triângulo. Voltando à figura 1, o comprimento da hipotenusa é o raio da terra adicionado da altura da pessoa (h + r), sendo o comprimento dos catetos a distância ao horizonte d e o raio da Terra r. Aplicando então o teorema de Pitágoras temos a primeira linha da figura 2: (h + r)^2=d^2 + r^2. Esta representa uma equação em que o valor desconhecido é o representado por d, pois sabemos o valor do raio da terra, r, e a altura da pessoa, h. Resolvendo a equação (de segundo grau em d) tem-se que a distância d é igual à raiz quadrada da soma do quadrado da altura h com o dobro da altura multiplicada pelo valor do raio r (ver restantes linhas da figura 2). Simples, certo? Numa visão mais ampla, a distância ao horizonte pode ser considerada como uma função que depende do valor de h, isto é, a distância depende da altitude que o observador se encontra em relação ao nível do mar. Podemos sintetizar numa tabela os valores da distância ao horizonte, consoante a altitude do observador (ver figura 3). À medida que subimos o nível do mar, a distância ao horizonte aumenta. No meu caso, se estiver na praia, o meu horizonte está a 4.72 Km de distância. Podemos afirmar que à medida que crescemos vemos mais longe, o que é um tanto ou quanto paradoxal, pelo menos no meu caso que já preciso de óculos. Termino com a famosa frase proferida pelo prestigiado físico e matemático Inglês Sir Isaac Newton (1643–1727): “se vi mais longe, foi por estar de pé sobre ombros de gigantes.” Votos de horizontes longínquos!

 

Fonte: Correio dos Açores, 26 de outubro de 2017