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A história de 150 Anos de água a chegar a Lisboa - Notícia OVGA B 23-10-2019

Foi em 1746 que as primeiras águas do Aqueduto das Águas Livres começaram a entrar em Lisboa

 

A EPAL comemora 150 anos em 2018. Dos chafarizes, fontanários e aguadeiros às primeiras redes domiciliárias, muito mudou na forma como a água foi chegando a Lisboa no último século e meio

Cinquenta réis por cada molho de palha, seis réis por cada litro e meio de vinho e cinco réis por meio quilo de carne foram alguns dos impostos criados em 1729 para pagar as obras do Aqueduto das Águas Livres. Chamaram-lhes “real d’água” e só o imposto da carne rendeu 12 mil réis num ano porque se venderam 28 mil bois, 1200 vitelos, 28 mil carneiros e 12 mil porcos.

A empreitada arrancou em 1731, numa altura em que a água escasseava em Lisboa. Viviam cerca de 200 mil pessoas na cidade, distribuídas por 44 mil casas. A água chegava-lhes através dos chafarizes e era vendida pelos aguadeiros em cântaros de barro, potes ou barris. Quanto mais alto fosse o piso a que os aguadeiros tivessem de subir para entregar a água, mais caro seria o preço a pagar.

As condições precárias de abastecimento melhoraram quando as primeiras águas do Aqueduto chegaram à cidade, em 1746, mesmo que as obras totais ainda não estivessem terminadas. Só acabaram em 1799 - e nessa altura triplicou a quantidade que abastecia a capital. Só que mesmo assim não era suficiente. Os 58.135 metros de comprimento das ramificações do aqueduto passaram a servir para abastecer mais chafarizes, criados em diversos pontos da cidade, assim como as casas nobres, os conventos e a indústria.

Quando hoje se percorrem as galerias subterrâneas do aqueduto ainda se veem as saídas de água que abasteciam algumas dessas casas. Eram de famílias que tinham dado acesso às nascentes das suas quintas nos arredores de Lisboa, o que em troca lhes dava direito a uma ligação quase direta a casa.

Longe do barulho e do trânsito de hoje, as longas galerias onde antes corria a água continuam a ligar a cidade por baixo de terra.

UMA OBRA INOVADORA

A obra do aqueduto foi imensa para a época: complexa, bem pensada e com uma estrutura que resistiu ao terramoto de 1755. “É uma obra muito inovadora”, resume Mariana Castro Henriques, diretora do Museu da Água. “A estrutura de ferro do aqueduto e o facto de ter sido construído em linha reta terão ajudado a que fosse capaz de aguentar o terramoto.”

Mesmo depois do fim das obras, ao longo do século XIX, continuaram a ser construídos mais chafarizes. O maior problema mantinha-se: o caudal que vinha das nascentes em redor da cidade continuava a ser insuficiente para abastecer a cidade.

O ano de 1852 marca a criação de uma rede domiciliária de água em Lisboa. Cinco anos depois apareceu a primeira empresa privada com a missão de abastecer de água a cidade, mas acabou por perder a concessão em 1863, num momento de “plena crise de carência de água”, num ano quente e seco que deu origem a muitas queixas, lê-se no livro “Barbadinhos – Do vapor ao museu”, um projeto do Museu da Água da EPAL.

Quatro anos depois, em 1868, surge a segunda Companhia das Águas de Lisboa (CAL), que teve a concessão do abastecimento de água à cidade de Lisboa até 1974, à qual sucedeu a atual EPAL, comemorando agora 150 anos.

 

22 LITROS POR DIA EM 1900

Só a partir de 1880 é que começa a ser preparado o sistema que vai trazer mais água até Lisboa, a partir do rio Alviela. Nesse mesmo ano entra em funcionamento a estação elevatória dos Barbadinhos, e isso trouxe mudanças, incluindo a construção de canalizações.

“As águas do rio Allviela, trazidas a Lisboa na distancia de 114.050 metros, através de importantes obras de arte, representa um dos mais notaveis melhoramentos hygienicos da capital, nos tempos modernos”, lê-se no livro do Museu da Água. “Á pobreza hydrologica expressa no limitado numero de 18 litros diarios por habitante sucede, não a opulência de 1.105 litros, como tem Roma, de 568 como tem New York, de 470 como Marselha, 400 Carcassona, 240 Dijon, mas a abundancia que na estiagem dá o numero de 40.000 metros cúbicos diarios, ou 200 litros para cada habitante, quantidade relativamente superior á que tem Bordéus (176 litros), Paris (69), Lyão (85), Narbonne (85), Nantes (60), etc.”

Duas décadas depois, em 1900, Lisboa já tinha 351 mil habitantes e 78 mil casas. A energia a vapor que alimentava as estações elevatórias, como a dos Barbadinhos, permitiu a evolução tecnológica e a modernização do sistema. No início dos anos 1920, o consumo médio diário de água na capital não ultrapassava os 22 litros por pessoa, enquanto noutros países mais desenvolvidos já chegava aos 150 litros.

O abastecimento residencial ainda estava longe de ser generalizado, e se em Lisboa só ainda chegava água a uma pequena parte da população, o resto do país continuava muito distante até dessa realidade.

UMA EVOLUÇÃO LENTA

A década de 1930 marca uma melhoria do sistema depois de ter sido celebrado um contrato entre o Governo e a CAL, numa altura em que era ministro o engenheiro Duarte Pacheco. São feitos investimentos e arranca a construção do aqueduto do Tejo, alimentado por águas da bacia hidrográfica do rio a partir de 1940.

Em 1941, três quartos da população de Lisboa já tinha rede de água domiciliária, mas os números no resto do país eram mais baixos. Apenas 26% da população portuguesa tinha acesso a sistemas de distribuição de água em casa. Umas décadas mais tarde, em 1972, a rede de água em casa chegava a 40% do país, enquanto 26% dependiam de fontanários e 33% não tinham acesso a sistemas de distribuição.

Alguns anos mais tarde, em 1987, começa a funcionar o subsistema de Castelo de Bode e é dele que hoje depende em grande escala a água que chega a Lisboa e aos outros concelhos abastecidos pela EPAL.

Mais de dois séculos depois do fim das obras do Aqueduto das Águas Livres, muito mudou na forma como a água chega às casas: hoje, a rede pública de abastecimento serve todas as casas do concelho de Lisboa, virando agora o investimento para a manutenção da qualidade da água para consumo.

 

Fonte: EPAL