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Há 73.000 anos, um megamaremoto arrasou Cabo Verde

Um enorme colapso da parede do vulcão da ilha do Fogo gerou uma onda com 170 metros que transportou rochas com 700 toneladas para a ilha de Santiago

Ilha do Fogo - imagem de satélite (NASA)

Quem observa a ilha do Fogo a partir de uma fotografia de satélite, pode ver uma estranha forma em toda a zona Leste da grande caldeira da ilha de Cabo Verde. Esta forma resultou do colapso de parte do cone, há cerca de 73.000 anos.

De uma só vez, 160 quilómetros cúbicos de material terão caído para o mar. O resultado foi a criação de uma onda com 170 metros que se abateu 7,5 minutos depois na ilha de Santiago, a 55 quilómetros de distância. A energia da onda era tanta, que empurrou blocos de rocha com centenas de toneladas durante centenas de metros, ilha acima.

Hoje, no planalto de Santiago, ainda se encontram aqueles blocos ciclópicos, que saltam à vista pela sua dimensão. Foram estes objetos que permitiram a uma equipa internacional de investigadores, com vários portugueses, relacionar os aspetos geológicos das duas ilhas e traçar o cenário catastrófico do megamaremoto, mostra o artigo publicado ontem na revista Science Advances.

Tudo começou há uns anos, em Maio, uma ilha mais pequena e mais baixa que fica logo a leste de Santiago. “A certa altura encontrei depósitos sedimentares com características estranhas que associei a um grande tsunami”, relata José Madeira, da equipa de investigadores. “Na altura, pensei que a origem mais provável para esse evento poderia ter sido o colapso da ilha do Fogo.”

Segundo uma datação anterior a este estudo, o colapso do cone da ilha do Fogo ocorreu algures entre há 124.000 e 65.000 anos. No entanto, havia uma grande discussão sobre o fenómeno. Não se sabia se tinha ocorrido de uma forma progressiva, com vários deslizamentos de material ao longo do tempo, ou se foi um evento único.

Estes dois cenários têm consequências diferentes na formação de um maremoto. O deslizamento sucessivo de rochas leva a que menos material entre no mar de cada vez, criando ondas mais pequenas. Enquanto um colapso único origina uma onda muito maior. Esta discussão não termina no caso da ilha do Fogo, em Cabo Verde, e a sua importância ultrapassa a curiosidade científica. Em várias ilhas em todo o mundo, há marcas de derrocadas semelhantes, e investigar o que sucedeu ajuda a avaliar os riscos de futuras derrocadas e os seus impactos.

Há 73.000 anos, o nível médio do mar estava 60 metros abaixo do de hoje. Por isso, a onda subiu a ilha até aos 270 metros de altitude. Segundo os cálculos da equipa, para ter movido todo aquele material, a onda teria de ter, no mínimo, 170 metros de altura. “Estas características tornam este evento num dos maiores mega-tsunamis preservados no registo geológico”, lê-se no artigo. O tsunami de 2004, que atingiu a Tailândia, chegou aos 30 metros de altura, um anão comparado com o de Cabo Verde.

 “Isto não prova que todas as cicatrizes de colapso [existentes no registo geológico] foram produzidas por um evento único e de grandes dimensões. Prova que alguns desses colapsos podem acontecer de um modo catastrófico. E portanto existe um potencial para gerar um tsunami de enormes dimensões”, explica o cientista.

Ao contrário dos maremotos causados por sismos na crosta oceânica, que se propagam a partir de uma recta e não perdem a energia com a distância, estes maremotos criados por colapsos vão perdendo energia ao longo do tempo. Como surgem num ponto, e produzem ondas concêntricas, estas ondas vão distribuindo a energia por um círculo cada vez maior e diminuem de tamanho. É por isso que ainda não se sabe se este evento, há 73.000 anos, atingiu o litoral português.

Compreender a dinâmica deste tipo de maremotos é fundamental para tentar antecipar colapsos semelhantes e prever os seus impactos. “Não há um estudo sistemático desse potencial”, diz José Madeira, explicando que apesar destes fenómenos serem raros à escala humana, são frequentes à escala geológica. “A potencialidade de um colapso deste tipo na ilha de La Palma [nas Canárias] é real. E quem fala dessa ilha fala de outras, principalmente mais íngremes, como a ilha de Tenerife, a ilha do Pico nos Açores ou as costas altas da ilha da Madeira.

Ilha do Fogo e Ilha de Santiago, Cabo Verde

Fonte: www.publico.pt