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Eng.º Álvaro da Silva – Em Memória de Um Benemérito - texto do Professor Victor Hugo Forjaz, Catedrático de Vulcanologia Eng.ª

 

1 – Desta vez dedico um texto em memória de um Amigo dos tempos de liceu, em Ponta Delgada, o Eng.º Álvaro Soares Pereira da Silva, uma das personalidades micaelenses mais interessantes que conheci e que muito influenciou o Projecto Geotérmico de São Miguel. Faleceu em Outubro de 2017 (apenas agora, por motivo de doença, consigo homenageá-lo) súbita e serenamente, em sua casa, na cidade a que ele tanto se dedicou – Valeijo (leia-se váléu), na Califórnia, próximo de São Francisco. Em cada Agosto voltava às origens (Ribeira Grande) rodando pelo continente para conviver com a família, deambulando pela Europa em visita a empreendimentos culturais e técnicos. Sempre sorridente e crítico, acompanhado de sua Mulher (Lucille, hawaiana) e por vezes com os filhos.

2 – Álvaro fazia parte da nossa turma de 1956-58 no Liceu Antero de Quental que mais licenciados produziu nos anos vindouros, turma que editou o “livro de curso” mais famoso e retumbante do ensino secundário. Álvaro convivia com muita facilidade dada a sua natural boa disposição e sua…altura, quase 3 m, assim espantando os colegas metediços; era aluno com méritos bem explícitos pois o Dr. Ilídio Sardoeira e o Dr. Ruy Galvão de Carvalho bem lhe davam tarefas de coordenação de turma. No final do ano escolar de 57-58, Álvaro disse-nos que ia para a América, que só “lá fora” conseguiria vingar – e teve razão. As ilhas abafam, anestesiam, fervilham de intrigas venezianas, convidam aos grupelhos, ao pensamento único do poder, sendo difícil fugir ao cerco. Apenas me apercebi disso mais tarde “mea culpa”.

3 – Lembrei-me de novamente recorrer a Álvaro Silva numa situação muito crítica do programa geotérmico, ou seja, quando se recebeu o aviso de que o contratante norte-americano Geonomics Inc., nosso principal parceiro, se encontrava em situação de falência com o projecto geotérmico da Guatemala. O Diretor da Geonomics, Dr. Tsvi Meidav e o administrador Lew Mackiney negavam os zunzuns e os contratos com o Estado Português já estavam assinados em cerimonial público. Por outro lado, milhões de dólares encontravam-se depositados, sob garantia bancária, no então Banco Micaelense, sendo nosso contacto o Senhor José Silva, um conceituado gerente. Não se corria o risco de roubarem o financiamento mas existiu o risco do projecto regressar à estaca zero, ao início, onde passamos enormes atribulações, nomeadamente por Lisboa não aceitar uma gestão de Junta Regional dos Açores (queriam que a Direcção Geral dos Combustíveis fosse o principal interlocutor e jamais o então formado Instituto de Geociências e Tecnologia dos Açores, em Ponta Delgada). Como o meu principal conselheiro era o meu grande Amigo Eng.º Jorge Tavares Carreiro, contactámos o Eng.º Álvaro Silva em São Francisco, ele então confirmou os riscos de liderança do tal Sr. Mackiney. Desse modo então nomeamos o Eng.º Álvaro Silva como nosso delegado nos USA, com o conhecimento do Sr. Raúl Gomes dos Santos, um irrepreensível Secretário Regional das Finanças. Foi uma grande aventura mas foi também a nossa salvação! A empreiteira norte-americana Geonomics passou a ser vigiada diariamente, passo a passo. Ficaram zangadíssimos comigo (eu ia ainda com pouco mais de 36 anos…como Diretor Tecnocientífico do programa geotérmico) mas a Junta Regional apoiou-me com grande convicção e tenacidade.

4 – E Álvaro Pereira da Silva? Tomou a peito a sua responsabilidade de nosso delegado, excedeu o contratualizado e nunca mais largou a famigerada Geonomics!!! Em diversos fornecedores de materiais geotérmicos, tendo as minhas encomendas, Álvaro montou uma fantástica estrutura de controlo de todos os materiais de modo a que a Geonomics não fugisse com algumas importantes quantidades. No porto de Houston montou uma maneira de tudo entrar a bordo do enorme navio com inteiro controlo de todos os conteúdos de guias e “garante invoices”. Fui lá ver o que ele estruturara com honestidade e sabedoria pois ele sabia que o governo de Mota Amaral não nos era totalmente favorável. O grande cargueiro largou de Houston a abarrotar.. mas ainda houve uma borla (espaço) para um automóvel do Eng.º de sonda Mr. Otis Day, automático e de vidros eléctricos, uma novidade na ilha. Tal pópó acabou por ficar ao serviço do Secretário das Finanças…sempre a demonstrar que a “banheira” norte-americana era mesmo topo de gama.E o navio chegou num belo dia de verão, desembarcou tudo via Álvaro Lemos, foi necessário alargar estradas pontualmente e até um aqueduto da Ribeira Grande foi ao chão. Mestre Dâmaso, da pedreira, foi incansável. Cirilo Pacheco quase não dormia. O Eng.º Diamantino Mendonça e o Eng.º Manuel Areias, da A. Cavaco, mal me largavam.Em 30 dias já se furava e em poucas semanas já havia vapor vulcânico natural. O Secretário Regional Eng.º António Medeiros Ferreira seguiu todas as operações apesar das intrigas que lhe montaram…Para termos a certeza, abrimos o poço geotérmico RG.1 de noite, à socapa, não fosse o diabo tecê-las…

5 - Álvaro veio cá bisbilhotar o sucesso do nosso pioneirismo. Bem sei que foram esquecidos, dos riscos, dos perigos, dos imprevistos…mas tivemos sucesso.Por esse motivo dedico esta curta recordatória ao Álvaro Pereira da Silva e à sua mulher hawaiana, a Lucille, bem como a todos os familiares que nos compreenderam e desinteressadamente nos ajudaram no sucesso.Que a Ribeira Grande um dia te possa recordar em breve e eterna homenagem. O facto de vocês não nos terem vindo visitar neste 2018 já nos apertam as lágrimas da saudade – Como dizem os hawaianos – A HUI HOU – MAHALO NUI LOA. Agradeço o baptismo que me deram, ou seja, Viktor Keiki Kane No Keahi!!! Até à próxima e muito obrigado: mahalo nui Loa.

 

Outubro de 2018 – Victor Hugo Forjaz-------------------------------------------------------------------------